Textiverso Cecília B.

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"Whether it be the Soul itself, or God in the Soul, that shines by Lov, or both, it is difficult to tell: but certainly the Lov of the Soul is the sweetest Thing in the world." (Thomas Traherne, Centuries 4:83).

Wednesday, April 22, 2009

my design is to make them fit to delight in Him

Uma marca característica da escrita de T.T. é a incessante retoma dos mesmos tópicos discursivos em reiterações insistentes de enunciados muito próximos, de que resulta um padrão repetitivo que, não sendo entendido, pode ser tido por redundância e desincentivar a leitura. O mesmo nos é reportado pelo próprio autor, tido como maçador dada a tendência, de que ele próprio se recrimina, a não saber moderar o seu discurso:

"Profunda circunspecção, reserva e silêncio são o meu desejo. Oh pudesse eu alcançá-los: demasiada abertura e tendência a falar são a minha doença. Uma natureza demasiado fácil e complacente. Falar demasiado e durante demasiado tempo nas melhores coisas. O homem por natureza se entedia e cansa. A redundância é apreendida mesmo naquelas coisas das quais nunca poderá haver que bastem. Expondo-se, um homem perde-se a si mesmo e torna-se um homem vulgar e de fraca valia.

'Profound Inspection, Reservation and Silence are my Desires. O that I could attain them: Too much openness and proneness to Speak are my Diseas. Too easy and complying a Nature. Speaking too much and too Long in the Best Things. Mans nature is Nauseating and weary. Redundanc is Apprehended even in those Things of which there can be never Enough. by Exposing Himself a man Loseth Him Selfe, and becometh cheap and common.' (S.M., III: 65)

T.T. expõe-se, sem dúvida, ao alongar o discurso com reiterações que são apreendidas como redundâncias. Expõe-se, ao abrir-se e fazer uso da primeira pessoa do singular, mesmo sabendo-se criticado por isso: "Aqui sou censurado por falar no singular e dizer eu". ("Here I am censured fo Speaking in the Singular number, and Saying I"). O seu discurso não é, porém, o de um homem vulgar e muito menos o de um fala-barato. Como numa oração ou num cântico, em que se fala das "melhores coisas" e por muito que se fale nunca será bastante, a reiteração reflecte, no texto, o transbordar do lago que plenamente se encheu.



Saturday, April 18, 2009

make the glory of God appear in the blessedness of man


T.T. entregara, antes de morrer, em 1674, Christian ethics para publicação, o que aconteceu um ano depois da sua morte. O livro só veio a ser reeditado em 1962, com o título sintetizado: The way to blessedness. Destinando-o ao público em geral, T.T. não se constitui excepção no que toca à prudência (tão manifesta nos grandes místicos peninsulares, um século antes, por razões sobejamente conhecidas) e adverte o leitor:

"Encontrareis talvez algumas noções novas: contudo, quando forem examinadas, o autor espera que esteja claro para o leitor que foi o conhecimento real da verdadeira felicidade que o ensinou a falar de virtude; e sobretudo que não há a menor traço relativo à fé católica que seja contradito ou alterado."

Trata-se, porém, de uma prudência diferente, fruto de uma extraordinária sabedoria. Na verdade, o desejo de T.T. era apenas um, como o diz em Centuries, "ser uma bênção para a humanidade". Só o poderá ser aquele que ensine a felicidade (essa disciplina de que se queixa em Centuries nunca lhe ter sido ministrada na universidade), mostrando o caminho para ela, que é o que pretende fazer neste livro. Virtude é tudo aquilo que o leva à felicidade, vício, o que o afasta dela. Felicidade e santidade são, de resto, a mesma coisa.

Estou, naturalmente, a ler o livro na minha perspectiva, 334 anos depois da sua morte. Recolho as "noções novas" que o "conhecimento real da felicidade" lhe proporcionou (em Centuries assume ensinar por experiência e não por erudição) e sopro o resto, não porque o rejeite, mas por ser consabido. Curiosamente T.T. alega que não são os fundamentos da fé que as heresias abalam, mas as interpretações (cf. WB: 125). T.T. não poderia imaginar que hoje teria de dizer isto mesmo de um modo mais alargado, ou seja, que não é a fé que os ateísmos abalam, mas os conteúdos que ela não tem.
(Desenvolvo este ponto no meu outro blogue).

N.B.A imagem (Seelennahrung) foi colhida na net.

Tuesday, April 14, 2009

o "tu" privilegiado

Vejo um paralelismo entre o que aconteceu (e me leva a estar a escrever aqui) e o que possa ter acontecido na vida de T.T. para que tenha passado a falar de si mesmo na terceira pessoa, como se fosse outro aquele que, dirigindo-se à mesma destinatária, acrescenta um livro IV e um incompleto V aos três anteriores. Penso que T.T. precisava de um "tu" privilegiado a quem dirigir a escrita. Mesmo as Select Meditations têm em vista pessoas concretas (já o referi num post anterior)...

T.T. atribui esta necessidade ao próprio Deus: want diz ao mesmo tempo o querer e a falta que origina esse querer. O mistério está em que faça depender da criatura (e para tal ela é livre de dizer sim ou não) a satisfação do desejo e a supressão da falta. Por isso Lhe é infinitamente grato o sim da criatura, desta criatura concreta, para Ele única. E dizer sim é acolher e fruir plenamente os Seus dons, inclusivamente o dom de Si mesmo em todas as coisas e em cada uma. Nesta base tão simples, Ele sofre (e sofrer é também suportar) a falta não suprida, o vazio do "tu" na dinâmica trinitária, única na infinita multiplicidade do que é.

Pergunto-me se na tua escrita não experimentarás esta falta e não a desejarás suprir como na vida...

O T.T. reconhecia que não nos é possível ser, como Deus, plenamente para cada um como se ele só existisse. No entanto é o que desejo do "outro" que privilegio (o privilégio é tomá-lo como "tu", que é também o privilégio que Deus faz a cada um, único para Ele, a todo o momento).

Deixo os parágrafos (C, 2: 72-73) para reflexão (a tradução é minha):

72
O que faz o espanto infinitamente infinito é isto: que uma só alma que é o objecto da minha possa ver todas as almas e todos os espaços secretos e perfeições sem fim em cada alma: sim e todas as almas com todos os seus objectos em cada alma. A minha, porém, pode acompanhar todos estes numa só alma: e sem deficiência exceder essa alma e acompanhar todos estes em cada uma das outras almas.

73
Aqui na Terra onde o nosso estado é imperfeito talvez isto seja impossível; mas no Céu em que a nossa alma é toda acto cumpre-se necessariamente: pois aí a alma é tudo quanto pode ser. Aqui é exultar no que poderá ser. Portanto, até serem removidas a névoa do erro e as nuvens da ignorância que limitam este sol, ele está necessariamente presente de uma forma virtual em todos os espaços e tempos como o Sol está de noite, se não pela clara visão e pelo amor, pelo menos pelo desejo. São estas as suas influências e os seus raios, operando na terra de uma maneira latente e obscura, lá em acima de uma forma potente e clara.




72

Here is a glorious creature! But that which maketh the wonder
infinitely infinite, is this: That one soul, which is the object of
mine, can see all souls, and all the secret chambers, and endless
perfections in every soul: yea, and all souls with all their objects in
every soul: Yet mine can accompany all these in one soul and without
deficiency exceed that soul and accompany all these in every other
soul. Which shows the work of God to be deep and infinite.


73

Here upon Earth perhaps where our estate is imperfect this is
impossible: but in Heaven where the soul is all Act it is necessary:
for the soul is there all that it can be: Here it is to rejoice in what
it may be. Till therefore the mists of error, and clouds of ignorance,
that confine this sun be removed, it must be present in all kingdoms
and ages virtually, as the Sun is by night, if not by clear sight and
love, at least by its desire. Which are its influences and its beams,
working in a latent and obscure manner on earth, above in a strong and
clear.

Sunday, April 12, 2009

YouTube - JS Bach - Et Resurrexit aus Messe h-moll

YouTube - JS Bach - Et Resurrexit aus Messe h-moll

Ressurrection


Seleccionei esta oração de T.T. para o dia de hoje:

Oh deixa-me olhar-Te longamente até me transformar em Ti, e põe sobre mim o teu olhar até tomares forma em mim, para que eu seja um espelho do Teu esplendor, uma habitação do Teu amor e um templo da Tua glória.




O Let me so long Eye Thee, till I be turned into Thee, and look upon me till Thou art formed in me, that I may be a Mirror of Thy Brightness, an Habitation of Thy Lov and a Temple of thy Glory.

N.B. A imagem foi colhida na net.

Sunday, April 05, 2009

Pure and Virgin Apprehensions


T.T. não tem paralelo em nenhum dos grandes vultos da literatura inglesa (ou mesmo fora dela) que fizeram da infância um tema e procuraram dar dela uma imagem (historiorizada, diria, tratando-se invariavelmente da visão dela no presente em que escrevem). Para T.T. não é um tema nem uma imagem de um passado rememorado. As "apreensões puras e intocadas" não passaram pois que são até ao momento em que escreve "as melhores" e aquelas "em que vê o universo". Atribui este seu caso singular a um especial dom de Deus, um carisma (de kharis, graça), no sentido em que concorre não apenas para o seu bem pessoal, mas para o do outro: "São inalcançáveis pelos livros e por isso as ensinarei pela experiência". Direi que em T.T. o olhar da infância, que por graça divina conserva, se tornou, com o discernimeno da maturidade, na "razão suprema" (highest reason) que dirige o seu viver (sentir, pensar, falar, agir).

Traduzi todo o passo:


"Quereis ver a infância desta sublime e celestial grandiosidade? Aquelas apreensões puras e intactas que tive desde o ventre materno e essa luz divina com que nasci são as melhores até ao dia de hoje, em que vejo o universo. Por dádiva de Deus me assistiram na minha entrada no mundo e por Seu especial favor me lembro delas até agora. Parecem-me verdadeiramente as maiores dádivas que a Sua sabedoria me poderia conceder pois sem elas todas as outras dádivas teriam sido mortas e vãs. São inalcançáveis pelos livros e por isso as ensinarei pela experiência. Rogai por elas fervorosamente: pois far-vos-ão angélica e inteiramente celestial. Certamente Adão no Paraíso não tinha apreensões mais doces e singulares do mundo do que eu quando era criança."


Will you see the Infancy of this sublime and celestial Greatness? Those Pure and Virgin Apprehensions I had from the Womb, and that Divine Light wherewith I was born are the Best unto this Day, wherein I can see the Universe. By the Gift of GOD they attended me into the World, and by His Special favor I remember them till now. Verily they seem the Greatest Gifts His wisdom could bestow, for without them all other Gifts had been Dead and Vain. They are unattainable by Book, and therfore I will teach them by Experience. Pray for them earnestly: for they will make you Angelical, and wholly Celestial. Certainly Adam in Paradice had not more sweet and Curious Apprehensions of the World, then I when I was a child. (C, 3:1)

N.B. A imagem foi colhida na net.

Thursday, April 02, 2009

9. I came into this World only that I might be Happy


T.T. quando inicia a quarta centúria (grupo de cem pontos ou apontamentos na forma de parágrafos mais ou menos extensos ) deixa de falar de si mesmo na primeira pessoa para, continuando a dirigir-se à mesma enunciatária (a quem dedica o livro), passar a referir-se na terceira – o vosso amigo [your friend]. Introduz, assim, um distanciamento mais em relação à enunciatária do que em relação ao "eu" das três primeiras centúrias, de quem tem directo e íntimo conhecimento, neste desdobramento em sujeito e objecto da enunciação:

"Tendo falado tanto a respeito da sua entrada e progresso na Felicidade, falarei nesta centúria dos princípios de que o vosso amigo se dotou para a fruir."

"Having spoken so much concerning his Enterance and Progress in Felicity, I will in this Centurie speak of the Principles with which your friend endued Himself to enjoy it!" (C, 4:1)

E o primeiro e único princípio de que decorrem e a que levam todos os outros resume-o na citação que faz de si mesmo:

Mas este era o seu princípio, o daquele que amava a felicidade e é o vosso amigo. Vim a este mundo para ser feliz. E custe o que custar, serei feliz. Uma felicidade existe e é meu desejo fruí-la."

"But this was His Principle that loved Happiness, and is your friend. I came into this World only that I might be Happy. And whatsoever it cost me, I will be Happy. A Happiness there is, and it is my desire to enjoy it." (C, 4:7)


(N.B. A imagem aqui colocada foi colhida da net)