Textiverso Cecília B.

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"Whether it be the Soul itself, or God in the Soul, that shines by Lov, or both, it is difficult to tell: but certainly the Lov of the Soul is the sweetest Thing in the world." (Thomas Traherne, Centuries 4:83).

Sunday, March 22, 2009

8. Werde selbst die Schrift

Em 2006 escrevi um apontamento sobre S.H. ao se me afigurar em seu redor uma imagem :

Via S.H. na capela, diante de um altar sem imagens. Apenas uma cruz num pedestal sobre uma toalha branca. Diante da cruz, um castiçal com uma vela acesa. De um lado, aberta numa qualquer página, uma Bíblia (sem dúvida a do Rei Jaime, pensei, a “versão autorizada” em vernáculo, de onde T.T. cita, de cor).

A imagem ia adquirindo, conforme nela atentava, cada vez mais nitidez e precisão. Do outro lado do altar, configurou-se um outro livro. Por certo aquele que haveria de permanecer quase três séculos em manuscrito. Aquele que ela lhe oferecera em branco e ele enchera com “proveitosas maravilhas”... Aquele que a chamava a renascer de si mesma, a dar-se a si mesma a nascer. Outras mãos que não as suas lho haviam trazido. Aberto nas páginas deixadas em branco, aguardando que ela o continuasse, como lho recomendava nos versos da Dedicatória, até alcançar a sabedoria daquela ordem de anjos que através dela se aproximam de Deus.

Pela mesma altura, mas num outro espaço, conturbado por lutas ferozes quase que de todos contra todos, um médico-monge, ele mesmo desassossegado pelas estéreis e esterilizantes polémicas em que se envolvera, terminava com a mesma recomendação o livro que dedicava não a uma mulher, mas a todo o peregrino daquela mesma sabedoria: “Basta, amigo, se porventura mais queres ler, torna-te tu mesmo a escrita, tu mesmo o ser”.

Werde selbst die Schrift und selbst das Wesen. Dinâmica esta essência... Um paradoxo que é apenas mais um entre os que enuncia, numa era que do paradoxo faz paradigma...

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Friday, March 20, 2009

7. Overflowing

T.T. tem múltiplos textos dirigidos a Jesus ou envolvendo-o como participante essencial na dinâmica trinitária de que irrompe a sua escrita. "Um só é o Mestre", pressinto-o como pressuposto subjacente, com a síntese de toda a Sua doutrina. Uma frase composta por duas orações simples, diria na mais tradicional das gramáticas:
a primeira, "ama a Deus sobre todas as coisas", é o mesmo que "enche o teu lago até ele transbordar";a segunda (a conjunção "e" é fulcral e faz-me evocar o que a seu respeito diz Deleuze) "e ama o teu próximo como a ti mesmo", é o mesmo que "e deixa-o transbordar".

Só pode transbordar o que está cheio, como é óbvio. Há que continuar a enchê-lo, ou não o enchesse também o que transborda dele e dos outros lagos, transbordantes também.

Nisto consiste a "Felicity" que Traherne procurou, na certeza de que a não procuraria se a não tivesse encontrado já e já foi para ele o tempo em que a realidade ainda se lhe não apresentava estruturada pela linguagem, sendo por isso inteira (whole), redonda, não compartimentada ou dividida (tal o "trigo, radioso e imortal, que nunca seria colhido nem jamais fora semeado").

Através das vicissitudes que se lhe depararam na vida, alcançou, à luz da "Razão Suprema" (na Highest Reason uniam-se as faculdades que Pascal separava em raison e coeur), essa felicidade na fruição de si mesmo, do outro, do mundo, e de Deus.

Isto recomendou que fizesse aquela para quem escreveu parágrafo a parágrafo as suas "centúrias":"... deleitar-vos infinitamente em Deus como vosso Pai Amigo e Benfeitor, em vós mesma como Sua herdeira filha e esposa, no mundo inteiro como dádiva e testemunho do Seu amor."

"...infinitly Delight in God as your Father Friend and Benefactor, in your self as His Heir Child and Bride, in the whole WORLD, as the Gift and Token of His Lov."

(N.B. A imagem aqui colocada foi colhida da net)

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Wednesday, March 18, 2009

6. Enjoying the world aright



A imagem que se forma para mim de Thomas Traherne é, a perder de vista, a praia de um mar calmo numa luz difusa, em que o avisto, muito ao longe, avançando na minha direcção pela linha de um quase imperceptível movimento da água. Segura numa mão o chapéu (refere-o no testamento, esquecendo que continuavam a ser pertença sua as casas onde alojara as famílias mais pobres da paróquia). Nos cabelos soltos vejo a cor e a ondulação da seara que nunca fora semeada nem jamais seria colhida (evoco o mundo na visão da criança, de um dos seus textos mais belos). O mar corre-lhe nas veias, vestem-no os céus e coroam-no as estrelas. É verdadeiramente o herdeiro da terra e seu é o Reino.
Esta imagem de Traherne é-me obviamente suscitada por um dos passos mais citados de Centuries pela sua poeticidade e transbordante beleza, que as reconhecíveis ressonâncias bíblicas (ao mesmo tempo de S. Paulo e de S. João) intensificam no meu olhar:

Nunca fruireis verdadeiramente o mundo até o próprio mar vos correr nas veias, vos vestirem os céus e coroarem as estrelas: e vos verdes como única herdeira do mundo inteiro e de mais ainda porque os homens estão nele e cada um é herdeiro único como vós. Até serdes capaz de cantar e exultar e de vos deleitardes em Deus como os avaros no ouro e os reis nos ceptros nunca fruireis o mundo.

You never Enjoy the World aright, till the Sea itself floweth in your Veins, till you are Clothed with the Heavens, and Crowned with the Stars: and Perceiv your self to be the Sole Heir of the Whole world: and more then so, becaus Men are in it who are evry one Sole Heirs, as well as you. Till you can Sing and Rejoyce and Delight in GOD, as Misers do in Gold, and Kings in Sceptres, you never Enjoy the World. (C: 1, 29)

Monday, March 16, 2009

5. almost mad with Extasie


"A seara era trigo radioso e imortal que jamais seria colhido nem nunca fora semeado. Eu pensava que ali estivera desde sempre e para sempre. A poeira e as pedras eram coisas tão preciosas como o ouro. As portas da cidade eram a princípio o limite do mundo. As árvores verdes, quando pela primeira vez as vi através de um dos portões, arrebataram-me e deslumbraram-me; a sua doçura e invulgar beleza fizeram-me saltar o coração, e quase louco de êxtase, eram coisas tão estranhas e maravilhosas: os homens!"


The Corn was Orient and Immortal Wheat, which never should be reaped, nor was ever sown. I thought it had stood from everlasting to everlasting. The Dust and Stones were as Precious as GOLD. The Gates were at first the End of the World, The Green Trees when I saw them first through one of the Gates Transported and Ravished me; their Sweetnes and unusual Beauty made my Heart to leap, and almost mad with Extasie, they were such strange and Wonderfull Thing: The Men!

(N.B. A imagem aqui colocada foi colhida da net)

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Friday, March 13, 2009

4. 2008 stained glass windows for Hereford Cathedral



Não há nenhum retrato de T.T.
São de2008 os vitrais (da criação de Tom Denny para a catedral de Hereford) inspirados na sua vida e escrita.
A imagem é a fotografia (colhida na Net) de um deles.


Thursday, March 12, 2009

3. Diz T.T.: "E não posso eu amar assim aqui na terra os meus amigos! Oh, meu T.G., oh, minha S.H., oh, meu irmão! (...) Sois para mim tesouros maiores do que o mundo!"

(Releio, nas "Selectas Meditações" todo o passo e seguintes no texto original.)

A afeição tão profunda e imensa quanto calada e calma será para com qualquer dos mencionados, não sendo, porém, senão natural que singularize entre eles S.H., se se tratar, como se crê, daquela a quem dedica e para quem escreve o livro que veio a receber o nome de Centuries of Meditations. Assim fala:
"Afeição lhe tenho por isso, calma e calada, mas maior do que o mundo e mais ampla do que os céus. Mais profunda do que o mar, mais forte do que o sol. Oh, possa ela ser mais doce do que o perfume e muito mais terna do que o seio de uma mãe".
Se pouco importa que se trate de S.H., e que esta e a destinatária de Centuries e a "alma gentil" convidada a erguer-se e a subir com ele a colina da felicidade sejam uma e a mesma pessoa, menos importância tem ainda a sua identificação plausível com Susannah Hopton (Harvey, de nascimento). Quem quer que seja figurará no universo que se ilumina em torno de T.T. como simplesmente "SH". E, como nome ou na sua vez, a sibilante SH diz também o silêncio que envolve e permeia "a sombra de uma virgem esposa", verbalização em que ressoam ecos certamente não fortuitos de O Cântico dos Cânticos.

Texto original dos passos escolhidos:

And cannot I here on earth so Lov my freinds! O my T.G.O my S.H.O my Brother! ye wise and Holy Sages! that see a little, and understand your Glory. ye are Treasures unto me Greater then the world!
(...)
Affections therefore I have to my freind calm and quiet, but Greater then the world, and wider then the Heavens. Deeper then the sea, Stronger then the sun. O that they may be sweeter then perfumes and far more tender then a mothers Bowels!

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Monday, March 09, 2009

2. Enjoyment

É por uma sigla correspondente às iniciais do nome que T.T. refere aqueles que o privilegiam com o seu afecto, que ele retribui não apenas correspondido, mas infinitamente enriquecido pela alegria vivida na sua fruição: "enjoyment", no sentido comum e etimológico do termo – do francês joie – a que insistentemente recorre. Fruir na plenitude desta alegria o mundo, o outro, o próprio e Deus é dar-Lhe graças: tornar-Lhe infinitamente grato tudo isto que é dádiva Sua aceite e reconhecida. Tal é o "suplemento" que, acrescido a cada vivido instante, torna outro aquilo que é.

Pelas iniciais do nome refiro também os que, seja qual for a sua natureza ontológica, entram e livremente percorrem a casa que inteiramente os acolhe e convida a que façam dela sua morada. Alguns, como T.T., ficam e tornam-na imensa.

Saturday, March 07, 2009

siglas e figuras

1. G.L., agora da mesma natureza das suas "figuras-personagens" (aliás, sempre foi essa a sua natureza, apenas a sua proximidade se alterou, muito maior agora), veio inesperadamente ao meu encontro com A restante vida. Precisamente depois do contacto-impacto com o G.A. de O tempo que resta. Há necessariamente uma relação – no meu universo, bem entendido, em que outro poderia ser? – entre esta sobrevinda (refiro-me a G.L. e ao seu apport para a vida restante) e a de um muito ténue movimento a devir escrita, em que pressinto o sopro que possa ter sido o terceiro interveniente na desejada tríade que não houve de ter lugar. Na escrita resultante brilha (como a baba do caracol de M.T.) o rasto do que nunca foi. É preciso, naturalmente, o Sol.