Textiverso Cecília B.

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"Whether it be the Soul itself, or God in the Soul, that shines by Lov, or both, it is difficult to tell: but certainly the Lov of the Soul is the sweetest Thing in the world." (Thomas Traherne, Centuries 4:83).

Sunday, May 31, 2009


Friday, May 15, 2009

The World which we are born to enjoy


To Contemn the World and to Enjoy the World are Things contrary to each other. How then can we contemn the World, which we are Born to Enjoy?

Truly there are two Worlds. One was made by God, the other by Men. (...)

Giv all (saith Thomas a Kempis) for all. Leav the one that you may enjoy the other.

TT (C, 1:7)


Tradução:
Desprezar o mundo e fruir o mundo são coisas contrárias uma da outra. Como podemos desprezar o mundo se nascemos para o fruirmos na alegria? Verdadeiramente há dois mundos. Um foi feito por Deus, o outro pelos homens.(...) Dai tudo (diz Thomas a Kempis) por tudo. Deixai um para que fruais o outro.

Tradução de "Desire"

Desejo



1

Por me dares o desejo,

uma sede ávida, um fogo aceso e ardente,

uma chama virgem e inocente,

um amor com que ao mundo vim,

um íntimo, oculto e celeste amor,

e sempre sempre me inflamava,

com uma avidez inquieta, ansiosa e celestial,

que jamais poderia ser saciada,

e incessantemente um paraíso sugeria

desconhecido, e alguma coisa indistinta

discernia e até ela me trazia,

seja o Teu nome para sempre por mim louvado.


2

Ressequidos os meus mirrados ossos

e olhos pareciam: a minha alma cheia de gemidos:

os meus pensamentos eram prolongamentos:

como passos e passadas me apareciam:

e com ardor prosseguiam,

sabiam que não tinham o que lhes era devido;

nem nunca estavam sossegados:

da minha carne um solo faziam sedento e faminto,

do meu coração um fundo e profundo abismo,

e de cada alegria e prazer uma ferida,

enquanto da minha ventura sentisse a falta.

Ó felicidade! Uma fome arde

e toda a minha vida verte em ansiedade.


3

Onde estão as silenciosas correntes,

as águas vivas e os gloriosos raios

os recantos amenos e revivificantes,

os bosques frondosos, as doces flores curiosas,

as árvores e nascentes , os dias celestiais,

os prados floridos, a luz gloriosa,

as torres de ouro e de prata?

Ai, todas estas coisas são agora pobres e vazias,

árvores, águas, dias e fulgentes raios

frutos, flores, recantos, bosques frondosos e nascentes,

silenciosas correntes não me darão alegria.

Mais não são que mortos brinquedos materiais,

e não podem fazer as minhas celestiais alegrias .


4

Ó amor! vós dilecções,

e amizades, que apareceis acima dos céus!

Vós festas e vivos prazeres!

Vós sentidos, honras e tesouros imperiais!

Vós alegrias nupciais! Vós excelsos deleites

que todos os apetites satisfazem!

Vós doces afeições e

Vós altos apreços! Alegrias que haja

nos triunfos, que se encontrem

na amigável e doce sociedade,

prazeres que estejam na sua mão direita

deveis, antes de me devotar a Deus,

em plena propriedade ser meus.


5

Esta excelsa e sagrada sede,

embaixadora da ventura, primeiro se achegou,

e tomou lugar em mim,

e me fez saber prezar, saborear e ver,

pois não são os objectos, mas a compreensão

das coisas que dispensa às almas a ventura

e a faz, Senhor, semelhante a ti.

Sentir, tocar, saborear, fruir e ver

tais são as verdadeiras e reais alegrias,

Os prazeres vivos adentro fluindo, liquescentes,

fulgurantes e celestiais (brinquedos tudo o mais):

e todos no desejo se sustentam

como o calor no fogo e a luz na chama.

Desire

Desire


1

For giving me Desire,

An Eager Thirst, a burning Ardent fire,

A virgin Infant Flame,

A Love with which into the World I came,

An Inward Hidden Heavenly Love,

Which in my Soul did Work and move,

And ever ever me Enflame,

With restlesse longing Heavenly Avarice,

That never could be satisfied,

That did incessantly a Paradice

Unknown suggest, and som thing undescried

Discern, and bear me to it; be

Thy Name for ever praisd by me

2

Parched my Witherd Bones

And Eys did seem: My Soul was full of Groans:

My Thoughts Extensions were:

Like Steps and Paces they did still appear:

They somwhat hotly did persue,

Knew that they had not all their due;

Nor ever quiet were:

But made my flesh like Hungry Thirsty Ground,

My Heart a deep profound Abyss,

And evry joy and Pleasure but a Wound,

So long as I my Blessedness did miss.

O Happiness! A Famine burns,

And all my Life to Anguish turns!

3

Where are the Silent Streams,

The Living Waters, and the Glorious Beams,

The Sweet Reviving Bowers,

The Shady Groves, the Sweet and Curious Flowers,

The Springs and Trees, the Heavenly Days,

The Flowry Meads, the Glorious Rayes,

The Gold and Silver Towers?

Alass, all these are poor and Empty Things,

Trees Waters Days and Shining Beams

Fruits, Flowers, Bowers, Shady Groves and Springs,

No joy will yeeld, no more then Silent Streams.

These are but Dead Material Toys,

And cannot make my Heavenly joys.

4

O Love! ye Amities,

And Friendships, that appear abov the Skies!

Ye Feasts, and Living Pleasures!

Ye Senses, Honors, and Imperial Treasures!

Ye Bridal Joys! Ye High Delights;

That satisfy all Appetites!

Ye Sweet Affections, and

Ye high Respects! What ever joys there be

In Triumphs, Whatsoever stand

In Amicable Sweet Societie

Whatever Pleasures are at his right Hand

Ye must, before I am Divine,

In full Proprietie be mine.

5

This Soaring Sacred Thirst,

Ambassador of Bliss, approached first,

Making a Place in me,

That made me apt to Prize, and Taste, and See,

For not the Objects, but the Sence

Of Things, doth Bliss to Souls dispence,

And make it Lord like Thee.

Sence, feeling, Taste, Complacency and Sight,

These are the true and real Joys,

The Living Flowing Inward Melting, Bright

And Heavenly Pleasures; all the rest are Toys:

All which are founded in Desire,

As Light in Flame, and Heat in fire.

T.T.
(Poems: 177-179)

Monday, May 11, 2009

True Love

Entra, fatalmente, nesta tríade o que se sabe e não se sabe da vida de cada interveniente, seja em que dimensões ela tiver sido ou estiver a ser vivida e seja qual for o "suporte" desse saber ou não saber. Nesta base, sei através do que o próprio T.T. diz e através do (pouco) que outros disseram dele, nomeadamente Susannah Hopton, que T.T. optou pelo celibato, ainda que a Igreja de Inglaterra autorizasse o casamento aos seus ministros. Atendendo ao que a "dimensão interpessoal" na sua escrita me deixa inferir, não me parece intrigante (como alguém a considerou) a expressão "The shadow of a virgin wife", de que faz uso num poema.
Na verdade, em "Rise noble soul", poderia alegar que no "amigo do melhor Amigo" (o mesmo, sem dúvida, da enunciatária das Centúrias) vive, pelo que chama o "Verdadeiro Amor", o próprio "melhor Amigo" e que o poema celebra esta trindade, que é a essência daquele amor.
Não é de surpreender, porém, uma leitura apressada e trivial como a de quem (como refiro num post anterior) cortou com um traço em cruz este texto, por o considerar (como o aventa o editor crítico) um poema de amor humano sexuado. Não pondo em causa que em alguma medida o seja, é sem dúvida muito redutor não ver mais além deste primeiro e visível véu.
Continuarei.

uma outra perspectiva de leitura

Face aos textos de T.T., tenho vindo cada vez mais a assumir uma perspectiva diferente da que durante muito tempo adoptei, a partir da qual reconheço que não se pode fazer tabula rasa do muito ou pouco que se sabe ou do nada se saber da biografia de um autor (na verdade, este, como o da Nuvem do Não saber, pode ter desejado o anonimato, o que não deixa de constituir em si mesmo um dado relevante para uma maior aproximação da sua compreensão). Concilio, agora, a importância dada ao texto e ao leitor com a importância dada ao autor, o que pode parecer um retrocesso ou uma superação dialéctica, mas que não é nem uma coisa nem outra. Diria ser mais a posição de Derrida face a Agamben (ou a Celan e outros que privilegiou) no momento em que se dispõe a "pensar com" ele e mesmo a falar-lhe: "en moi hors de moi", diz, na expressão de que me apropriei, de absolutamente fulcral que é nesta escrita que vivo a três: T.T., dentro e fora de mim e de ti para com ele pensarmos, tu e eu.

Sunday, May 10, 2009

Haeres mundi

Na continuidade entre a visão holística que guarda da primeira infância (anterior à aquisição da linguagem) e a visão iluminada pelo que chama "Razão suprema" que agora tem em adulto, T.T. compenetra a sua enunciatária de que é herdeira do mundo, não porque assim o proclame S. Paulo ( Rom 8:14-17), mas porque aquele “algo de grande”, cuja força de atracção toma como experienciada por ambos (C 1: 2), se manifesta na revelação dessa herança: “Is it not a very Enriching Veritie?” (C 1: 3). Tal sendo a verdade oculta desde o início dos tempos (cf. C 1: 3), comunicar-lha será a maior dádiva de amor (cf. C 1: 6).
Tal é o início de uma linha de desenvolvimento temático que continua, ao longo de toda uma série de parágrafos, a colocar a plena e perfeita fruição do mundo como condição do conhecimento de Deus e do Seu amor, conhecimento que T.T. relaciona identificativamente com “a vida eterna” (cf. C 1: 17 – “To know GOD is Life Eternal”).

Sunday, May 03, 2009

Rise noble soul

Já tinha aqui colocado o poema e retirei-o. Por alguma razão alguém o riscou no manuscrito com um traço em cruz. Não teria sido a mão de T.T. Vencendo o temor volto a colocá-lo.



1
Rise noble soul, and come away;
Lett us no longer wast the day:
Come lett us hast to yonder Hill,
Where Pleasures fresh are growing still.
The way at first is rough and steep;
And something hard for to ascend:
But on the Toppe do Pleasures keep,
And Ease and Joyes doe still attend.


2
Come, let us go; and doe not fear
the hardest way, while I am neer.
My heart with thine shall mingled bee;
Thy sorrowes mine, my Joyes with Thee.
And all our Labours as wee goe
True Love shall sweeten still.
And strew our way with Flowers too,
whilst we ascend the Hill.


3
The hill of rest, where Angels live:
where Blisse her Palace hath to give;
where Thousands shall Thee welcom make,
and Joy, that Thou their Joyes do’st take.
O come Lett’s hast to this sweet place,
I pray thee quickly heal thy mind!
sweet, lett us goe, with joyfull pace
And leave the baser world behind.


4
Come let's unite, and wee'll aspire
Like brighter Flames of heavenly fire,
That with sweet Incense do ascend,
Still purer to their Journeys End.
Two – rising Flames – in one weel be,
And with each other twining play,
And How, twill be a joy to see,
weel fold and mingle all the way.

T.T.

Um texto poético é, pela sua própria essência poética, intraduzível, mas também se sabe (desde o célebre prefácio de Benjamin sobre a tarefa do tradutor) que, ao mesmo tempo, apela à tradução. Tentei, pela pura fruição de responder a esse apelo, uma versão portuguesa. Desejaria que o traço não fosse só o meu, mas que outro se lhe unisse deixando um outro rasto. Penso no que traçam estas chamas que "com o doce incenso ascendem, ainda mais puras ao fim da viajem".


1
Levanta-te alma gentil, e vem embora;
não percamos mais o dia:
Vem apressemo-nos para aquela colina,
onde com frescura os prazeres crescem ainda.
O caminho é primeiro áspero e íngreme
e um tanto difícil de subir:
mas no cimo prazeres estão guardados
e bem-estar e alegrias aguardam ainda.


2
Vem, caminhemos: e não temas
o caminho mais duro, enquanto eu estiver perto.
O meu coração ao teu estará ligado;
minhas as tuas mágoas, contigo as minhas alegrias.
E todas as nossas penas à medida que avançarmos
o verdadeiro amor doces as fará ainda.
e juncará também de flores o nosso caminho,
enquanto subirmos a colina.


3
A colina do descanso, onde os anjos vivem:
onde a suma ventura tem o seu palácio a dar;
onde milhares te farão bem-vinda,
e alegria sentirão se das suas alegrias partilhares.
Oh vem apressemo-nos para este tão doce lugar,
Peço-te cura depressa a tua mente!
querida caminhemos a jubiloso passo
e o mundo mais abaixo deixemos atrás.


4
Vem unamo-nos, e elevar-nos-emos
como chamas mais vivas de fogo do Céu,
que com o doce incenso ascendem
ainda mais puras ao fim da viagem.
Duas – chamas ascendentes – numa só seremos,
e um com o outro volteando dançaremos,
e como, será uma alegria de ver, nos cruzaremos
e envolveremos todo o caminho.

a caminho da "terra da alegria"

Escolher um texto e colocá-lo aqui, numa sequência que necessariamente se instaura (nem mesmo o texto desconstrutivo lhe escapa, por muito que o pretenda), é ainda e sempre dar-lhe vida na vida, assegurar esse "viver mais e melhor" que W. Benjamin chamou "sobrevida" (Ueberleben). Tem a vantagem de que posso pelo menos silenciar a voz que, também inescapavelmente, lhe dou.
Não resisto a colocar aqui hoje um poema muito especial de Traherne de que a tradução tem sido para mim um processo sempre por terminar.
Falei da necessidade que T.T. tinha de um "tu", "privilegiado" no ele ser único como cada um o é para Deus, o que, sendo impossível "aqui", lhe restringe a escolha àquele escasso número que considera que bastaria, se fosse possível reuni-lo, para edificar aqui a Jerusalém celeste. Encontrar um é já de si um privilégio e um especial dom da vontade divina (insondáveis são os Seus desígnios). "Noble Soul", que traduzi por "alma gentil" (por o eco camoniano me parecer feliz) é a forma como T.T. se dirige a quem deseja que com ele suba a colina e que ele suscita a que se erga e com ele caminhe. Se a língua inglesa já de si permite, com muito mais facilidade do que a nossa, deixar o género indecidível (e é, por vezes, tão importante esta indecibilidade na preservação da poeticidade de um texto), o dirigir-se a "soul" (e não a "friend)" faz com que neste caso o problema não se ponha.
Colocarei o poema Rise noble soul num outro post, com a minha última tradução.